progenitor descomprometido
alerta aos leitores: este post contém azedume
os filhos são das mães, sempre ouvi dizer.
sempre achei esta ideia carregada de preconceito.
agora, passados alguns meses de ser mãe, compreendo a expressão e concordo – o que não quer dizer que esteja satisfeita com isso.
os filhos são, 24h por dia, da responsabilidade da mãe. a mãe pensa o que ele vai vestir, o que vai comer, a hora do banho, a hora de dormir… está atenta às brincadeiras, ao comportamento, à reação à creche, ao bem estar geral.
ninguém lhe recorda que tem de tratar destas coisas, ela fá-lo “naturalmente” – porque aprendeu que quem ama cuida. e os pais, para quem isto poderá não ser tão natural, inconscientemente (?!) desresponsabilizam-se – não tanto de cuidar, mas de tratar do cuidado – sei que não são todos, mas como se diz por aí: a exceção confirma a regra.
porque tem a mulher de “pedir” ou “recordar” ao progenitor que determinada coisa tem de ser feita – como se de um favor se tratasse!? já me questionei várias vezes: “raios mas será que não veem o mesmo que nós?!”
o facto de que “naturalmente” a mulher organize todos os cuidados e atenda a todos os inputs relacionados com a cria não quer dizer que o faça sem “esforço” - cognitivo e emocional. sentir esta responsabilidade, quando não partilhada, pode ser avassalador.
para as mães de primeira viagem tudo é novo. a margem de erro é abismal. não é por se ser mulher que vimos com o software da maternidade incluído.
na cabeça da mãe a primeira coisa é a cria e é em função desta que tudo é organizado, pessoal e até profissionalmente – tem de garantir sempre que o cuidado desta está assegurado. do outro lado isso não acontece, porque é “natural” que a mãe cuide da cria, acima de todas as outras coisas, ele não tem de se preocupar.
um filho é uma escolha que implica mudanças. desengane-se quem pense o contrário. mas as mudanças, as adaptações, o abdicar de coisas, não tem de ser só por parte da mãe. é uma chatice, é certo. mas é menos duro quando equilibrado.
ser a presença certa para o nosso filho, o seu porto de abrigo, o dono de seu mundo faz-nos sentir bem, amadas, valorizadas, mas também esgotadas. a velha expressão dos progenitores descomprometidos “só te quer a ti” é uma fuga magnífica. meus senhores pensem lá: porque quer só a mãe?! quiçá porque foi ela, e só ela, que esteve sempre lá, que salta assim que o vê chorar, que vai ao berço de hora a hora quando está doente, que brinca com ele diariamente…para além de todos os outros cuidados.
apercebi-me, e daí a minha bílis ter entrado em ação, que o problema do progenitor descomprometido não é com a cria. a esta ele ama, presta os cuidados “quando tem de ser”, faz as suas belas macaquices e passeia mostrando o seu encanto.
o problema é o desrespeito para com a progenitora. o não pensar nela como um ser cujo trabalho e, sobretudo, responsabilidade, cresceu exponencialmente. o não fazer “naturalmente”, a dois, o trabalho de organizar tudo e de fazer tudo. ou, se não se conseguir chegar tão longe - porque isto da evolução, da igualdade de género e da mudança de comportamentos, leva (muito) tempo -, partilhar responsabilidades no cuidar do dia a dia, aliviar a carga da mãe, permitir que esta possa fazer reset.
embora nos discursos todos sejam pela igualdade, na prática o belo do tuga ainda “entende” que deve ser cuidado pela mulher (seja esta mãe ou companheira). e na verdade acho que sim, que deve ser tratado e deve tratar; deve ser cuidado e deve cuidar; que deve ser amado e amar!
imagem retirada daqui
caro progenitor descomprometido,
não pense que pelo facto da sua companheira organizar e fazer, com amor e dedicação, tudo o que é relacionado com a vossa cria, que não o faz com esforço, abdicando muitas vezes do que gosta de fazer, ou do tempo tão necessário para manter o seu equilíbrio.
pense, caro progenitor descomprometido, seria você capaz, sem pirar, de fazer o que ela faz?
faça a sua parte, apoie-se nela e perceba as rotinas.
assuma responsabilidades - para ela saber que não tem de se preocupar com determinados aspetos (o banho, as refeições, a roupa, a creche… há tanto para partilhar!).
não se acomode hipocritamente à espera que lhe seja pedido que faça algo – a responsabilidade é também sua.
se precisa de tempo para os seus hobbies, para espairecer a cabeça… não acha que ela também precisa? não seja egoísta.
sendo um bom pai, não se esqueça de ser um bom companheiro!