longos dias cinzentos com uma mãe ausente
confinamento, maternidade e teletrabalho
a pandemia prolonga-se por demasiado tempo. este é certamente um pensamento que nos liga. estamos todos e todas ansiosos/as e cansados/as desta situação. o confinamento não traz apenas uma limitação da nossa liberdade física, traz também uma pressão psicológica sobre o nosso dia-a-dia.
a doença traz constantes novidades: as consequências, as variantes, os medicamentos que ajudam ou prejudicam, as vacinas; em suma, muita informação, muita contrainformação, mais incertezas do que certezas.
estamos no campo do desconhecido em muitos aspetos, pelo que, o melhor é não ficar doente, por nós e pelos que amamos. mas parece cada vez mais uma inevitabilidade, se não for agora, será daqui a um mês ou no próximo outono. e esta sensação torna-nos mais frágeis e por vezes mais inconsequentes, e a “profecia” autorrealiza-se.
como sou nova nisto do confinamento enquanto mãe e trabalhadora (no primeiro confinamento estava em licença de maternidade), estava convencida de que assim que fechassem as escolas poderia pedir algum tipo de “baixa” - já estava em casa com os miúdos, por opção, em teletrabalho há duas semanas quando se deu o fecho das escolas. ora bolas, pensei mal! quem está em teletrabalho não tem acesso ao apoio para pais com crianças menores de 12 anos.
compreendo que o país esteja à beira da rutura económica e que por isso é esperado que os pais façam (mais) um esforço, mesmo que isso os deixe à beira da loucura!
e entenda-se que o problema não é cuidar dos catraios, fazemo-lo aos fins-de-semana e em férias com todo o prazer…e mesmo no dia-a-dia após o horário laboral.
o problema está em querer compatibilizar, no mesmo horário e espaço, o que não é compatível. a constante dualidade entre ser mãe ou ser profissional (já tirei da equação o ser “boa” em qualquer uma das funções) cria uma tensão enorme desde o final da primeira chávena de café até ao deitar.
como explicar a uma criança de 3 anos ou a um bebé de 10 meses que a mamã está em casa, mas não pode estar com eles, a satisfazer as suas vontades. como explicar à mais velha que não pode dar um ar da sua graça frente à câmara nas reuniões zoom da mamã ou, ao mais novo, que há “horários” em que não pode fazer birra?
depois há a questão de que, como não conseguimos ser eficazes no cumprimento das nossas responsabilidades profissionais, não conseguimos “sair a horas”, ou seja, a situação alastra-se bem mais do que as 7 horas do horário de trabalho.
quando finalmente encerramos o computador (nem sempre porque acabamos, mas sim porque os miúdos têm de jantar) eles esperam de nós aquele tempo prometido, mas nós já estamos mentalmente esgotados, desprovidos de qualquer capacidade de ir para além do que “tem mesmo de ser”, desejando apenas silêncio e um copo de vinho à lareira, enquanto eles anseiam por brincadeiras e gargalhadas depois de um dia repleto de “agora não”, “a mamã tem de trabalhar”, “já te pedi para parar” - isto nem sempre dito no tom mais adequado.
é assim que, ao final de um dia a tentar chegar a todo lado, sinto-me um fracasso, um embuste. olho para os meus filhos e penso que não merecem esta mãe, que eu não quero ser esta mãe sempre à beira do grito, sempre tensa, stressada.
eles não fazem nada de diferente do que fazem ao fim-de-semana, a diferença não está neles, está em mim. ao fim-de-semana não há horários, prazos a cumprir, reuniões, relatórios ou telefonemas. ao fim-de-semana estamos os 3 em harmonia, nos nossos ritmos, eles não reagem com birras ou chamadas de atenção à minha “ausência”, porque estou lá para eles, estou presente.
o confinamento, que só por si é pesado, veio acompanhado de uma chuva que teima em não parar, assegurando que nem passeio higiénicos as crianças dão. é assim que caracterizo os tempos que vivemos por estes lados: longos dias cinzentos com uma mãe ausente.